O ministro da Justiça, Torquato Jardim, afirmou em entrevista ao GLOBO que o governo federal tem responsabilidade “absolutamente zero” pelas rebeliões nos presídios em Goiás e que o governo de Marconi Perillo (PSDB), ao receber R$ 44,7 milhões do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) e deixar de transferir o dinheiro para contas específicas, incorreu num ato ilícito, com desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e à Lei Orçamentária Anual (LOA).
Dados do Ministério da Justiça apontam que Goiás gastou apenas R$ 7,7 milhões do total repassado em dezembro de 2016, o que representa 17,2% do total.
O montante de R$ 44,7 milhões foi repassado a todos os estados, sendo que R$ 31,9 milhões se destinam a construção e ampliação de unidades prisionais. Perillo, diante da crise penitenciária em Goiás, responsabilizou a União pelo caos nos presídios. A rebelião aconteceu no primeiro dia do ano, numa unidade de regime semiaberto, a Colônia Agroindustrial do Complexo Penal de Aparecida de Goiânia. Terminou com nove detentos mortos e 200 em fuga. Depois, outras duas rebeliões foram registradas, na mesma colônia e na Penitenciária Odenir Guimarães (POG), de regime fechado.
Presídio de Goiás é um problema de gestão
O ministro atribuiu o que ocorreu em Goiás a um problema de “gestão” do governo local e afirmou que o discurso de cobrar a União tem “motivação política”. Sete governadores de estados do Brasil Central – Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Rondônia e Maranhão – divulgaram um manifesto na quinta-feira cobrando uma “tomada de providências urgentes por parte do governo federal”. Eles fizeram cinco propostas, entre elas a criação de um Fundo Nacional de Segurança Pública com recursos não contingenciáveis. Para Jardim, a proposta é “absolutamente inviável”.
— Qual é o administrador público que não quer um fundo exclusivo para suas tarefas que não seja contingenciável? Todos nós queremos. Mas esta não é a realidade orçamentária. A minha surpresa é que sete governadores, que conhecem a administração pública, façam uma proposta dessa, que é completamente irrealizável. Não existe essa possibilidade. Compreendo o discurso político deles, compreendo a motivação política, mas do ponto de vista da gerência do orçamento público eles sabem melhor do que eu que a proposta é absolutamente inviável — afirmou o ministro.
União não gerencia presídios
Jardim disse que não cabe à União fazer a gerência dos presídios:
— (A responsabilidade da União pela rebelião em Goiás é) zero. Zero. Absolutamente zero. Não é da União a gerência dos presídios. O Departamento Penitenciário Nacional (Depen) não foi procurado, não foi buscado.
Ao ser questionado sobre se considera grave não ter sido feita a transferência do dinheiro do Funpen para contas específicas no Banco do Brasil, o que permitiria o controle dos gastos, o ministro da Justiça respondeu:
— Isto é um ilícito na Lei de Responsabilidade Fiscal e na Lei Orçamentária Anual.
Para Jardim, o Estado de Goiás não poderia fazer uso do dinheiro sem a transferência para as contas específicas. Presente na entrevista, o diretor do Depen, Carlos Felipe Alencastro, confirmou que as contas foram criadas, mas que ainda não houve a transferência dos recursos.
Recursos do Funpen em Goiás
O ministro da Justiça citou outros repasses feitos a Goiás, além dos R$ 44,7 milhões em 2016. Jardim afirmou que mais R$ 17 milhões foram enviados em dezembro de 2017, também dinheiro do Funpen. Jardim lembrou que Perillo está em seu quarto mandato e que, entre 1995 e 2017, Goiás recebeu R$ 156,7 milhões do Funpen. Também foi enviado dinheiro da Secretaria Nacional de Segurança Pública, para coletes, armamento, munição e veículos: R$ 6,5 milhões entre 2013 e 2017.
Jardim afirmou ainda que Goiás recebeu recursos para enviar 418 agentes de segurança ao Rio no ano passado, como reforço ao policiamento na Olimpíada. O estado enviou apenas 132 agentes e não prestou conta sobre a diferença do dinheiro.
— Por isso, cumprindo a lei, o estado foi notificado agora em janeiro a prestar conta da diferença. É menos pelo valor do reembolso, e mais pelo princípio. Este dinheiro tem de ser devolvido. O valor histórico é de R$ 71,3 mil, referentes a passagens aéreas — disse o ministro.
Conforme o ministro, existe “preconceito” com presidiários, o que se reflete na forma como os estados decidem alocar recursos de seus orçamentos.
— É um preconceito geral e social. É razoável imaginar que esse preconceito social se reflita na opção orçamentária de não se investir em penitenciárias, para se cuidar de outros assuntos mais urgentes e de mais repercussão, como saúde, escola, folha de pagamento.
O ministro disse que discorda da proposta do secretário de Segurança Pública e Administração Penitenciária de Goiás, Ricardo Balestreri, para quem presos por narcotráfico e contrabando deveriam ficar sob a responsabilidade da União.
— Esta não é a regra do jogo hoje. O que não quer dizer que não possa haver uma lei obrigando a União a remunerar os custos por esses presidiários — afirmou Jardim.
Jornal O Globo